Proença-a-Nova, porque andais deserta?
Entramos em Proença-a-Nova em ligeiro excesso de velocidade, coincidente com a nossa determinação em lá encontrar pelas ruas um cego a cantar fados ou, em alternativa, o tradicional Café Central, onde nos fosse dada a ventura de matar o bicho, que já eram 11 da manhã e a poeira dos caminhos deste nosso rico Portugal foi-se-nos acumulando nos gargalos.
Debalde demos voltas à vila. Nem cego, nem fados, nem Café Central… nem almas. Imagine-se que Almeida Garrett, montado na sua mula, chegava ao Cartaxo e o Grande Café do Cartaxo não existia! Lá se iam as “Viagens na Minha Terra” por água abaixo e a Literatura Portuguesa ainda andaria, por estes dias, a penar pelas arcádias.
Tal como as “Viagens na Minha Terra” o foi para a Literatura Portuguesa, também a existência de um qualquer Café Central em Proença-a-Nova – ou de um cego a cantar fados pelas ruas, vá! – era estruturante para o nossa viagem, por uma série de razões, que não vem agora ao caso aqui explanar. Por isso, temi que tudo se esboroasse sem glória, ali mesmo, no coração da sub-região do Pinhal Interior Sul. Íamos nós ataviados para correr lonjuras épicas em busca do deserto e, afinal, deserta está Proença-a-Nova às 11 da manhã de uma soalheira sexta-feira de Setembro.
Numa última voltinha por descargo de consciência, uma placa anunciadora do “Terminal Rodoviário de Proença-a-Nova” promete corrupio de gentes e camionetas de carreira, de certeza, julgamos nós pelo hábito de outras paragens, com abundantes serviços de apoio ao viajante no que concerne ao refrescamento de goelas e restauração de estômagos.
Nada. Nem vivalma. O único café que por lá se anunciava estava fechado e, ao longe, ouvia-se o barulho de uma motosserra.
Além de sairmos de Proença-a-Nova com o bicho por matar, porém com a bexiga aliviada, pois, estranhamente, o wc do terminal rodoviário estava aberto, também de lá saímos sem qualquer vontade de conhecer Proença-a-Velha.
Se a dado passo da História foi preciso fazer uma vila nova – que D. Manuel, no foral, apelidou com alguma pilhéria, de Vila Melhorada – e a nova foi isto que se nos apresentou, legitimo será concluir-se que a vila antiga devia ser de fugir a sete pés. Nem Proença-a-Nova quis ficar com a velha Proença. Teve que ser Idanha-a-Nova a acolhê-la, coitada, se bem que eu, nisto de Idanhas, da última vez que lá estive, gostei muito mais de Idanha-a-Velha.
Pode dar-se o caso da gente por estas bandas ser de feitio volúvel, como o António Variações: só estão bem onde não estão. Gostam é de fazer as mudanças. Há um certo encanto, reconheça-se, na tentação de fazer tábua rasa do que está para trás e simplesmente recomeçar tudo de novo.
O caminho para Portalegre foi feito a matutar nas razões que terão transformado Proença-a-Nova numa, muito cinematográfica, vila deserta naquela sexta-feira de manhã. Eu, por mim, em vista dos sinais que se me apresentaram, suspeito que haja uma vida noturna secreta por aquelas paragens, fora dos circuitos das movidas, porém, a pedir meças a qualquer capital.
E que, sobretudo as quintas-feiras à noite são de tal arromba, que à sexta ninguém se mexe. É a minha aposta. Ou isso ou a vila foi atacada por um serial killer de motosserra e fugiram todos para a Serra das Talhadas.
Olha, a tabuleta para Flor da Rosa, que há-de ser o nome mais totally cool para uma freguesia portuguesa e, ainda por cima, berço do Condestável. Durante dezenas de anos escrevi vezes sem conta “Rua do Santo Condestável” pois que lá morei e lá, de petiz me fiz moço e homem.
Desande-se, pois, para lá.